Faoro, indispensável!

"O patrimonialismo, organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático.  Burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo - o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência.  O Estado ainda não é uma pirâmide autoritária, mas um feixe de cargos, reunidos por coordenação, com respeito à aristocracia dos subordinados.  A comercialização da economia, proporcionando ingressos em dinheiro e assegurando o pagamento periódico das despesas, permitiu a abertura do recrutamento, sem que ao funcionário incumbissem os gastos da burocracia, financiando os seus dependentes.  Todos, cargos elevados - que davam nobreza ou qualificavam origem aristocrática -, como os cargos modestos hauriam a vida e o calor do tesouro, diretamente vinculado à vigilância do soberano.  O comércio, controlado ou explorado pelo príncipe, é, por sua vez, a fonte que alimenta a caixa da Coroa.  O modelo de governo, que daí se projeta, não postula o herói feudal nem o chefe impessoal, atado à lei.  O rei é o bom príncipe, preocupado com o bem-estar dos súditos, que sobre eles vela, premiando serviços e assegurando-lhes participação nas rendas.  Um passo mais, num reino onde todos são dependentes, evocará o pai do povo, orientado no socorro aos pobres.  Ao longe, pendente sobre a cabeça do soberano, a auréola carismática encanta e seduz a nação. O sistema de educação obedece à estrutura, coerentemente: a escola produzirá os funcionários, letrados, militares e navegadores.  Mas os funcionários ocupam o lugar da velha nobreza, contraindo sua ética e seu estilo da vida.  O luxo, o gosto suntuário, a casa ostentatória são necessários à aristocracia.  O consumo improdutivo lhes transmite prestígio, prestígio como instrumento de poder entre os pares e o príncipe, sobre as massas, sugerindo-lhes grandeza, importância, força".

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: A Formação do Patronato Político Brasileiro, v.1, Excertos do Capítulo III: O Congelamento do Estamento Burocrático

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