Summertime

Meio-dia escaldante. esquina de Hilário de Gouveia e Barata Ribeiro, Copacabana. Um músico de rua, saxofonista, toca Summertime, de George Gerswhin, ao lado da passagem de pedestres. Uma senhora, idosa, de pé ao meu lado, à espera do sinal abrir, se vira e me diz: "ai, me dá uma coisa ouvir essa música, isso tocou no enterro do Buca Pittman, o pai da Eliana, minha amiga, ela mora ali (e aponta em direção a rua Paula Freitas). Chorei muito naquele dia. Ele era músico, o Sr. sabe, né, saxofonista, americano, e tocaram jazz no enterro dele. E o Sr. sabe que em New Orleans se toca música nos enterros?". Tira uma nota de dois reais e coloca no chapéu do músico. Ele agradece, me olha e eu comento que a música a tocara muito. Ele diz: "então vou tocar de novo...". Ela reage firmemente: "Não, por que não quero chorar!". Ele retruca: "então dessa a Sra. vai gostar", e começa a tocar Besame Mucho. Ela se vira, sorri para mim e, contrariada com a escolha do músico, me diz: "ora se vou gostar disso"! E atravessa na faixa. Fim da conversa. No caos de Copacabana, um papo improvável no sinal de trânsito, cheio de referências culturais. Fiquei maravilhado. Chego no hotel à tardinha e vou tentar me informar sobre quem era o Buca. E a Wikipedia me esclarece tudo: Booker (Buca) Pittman, clarinetista, saxofonista norte-americano, viveu boa parte da vida no Brasil, era padrasto da cantora Eliana Pittman. Morreu de câncer na laringe em 1969. É difícil não se surpreender com essa cidade.
(Do Facebook, 28/12/2014)

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