Ônibus

Subo no 472 na Carioca. No único assento antes da roleta está sentado um jovem de boné, de uns 20 anos. Leva, para minha surpresa, dois caniços de pesca com os molinetes instalados. São 17h15 de uma terça-feira, centro do Rio de Janeiro. No ponto seguinte entra uma senhora, idosa, de cabelos completamente brancos, parece agitada. Dirige-se ao rapaz: "moço, deixa eu sentar aí". Ele se levanta imediatamente e cede o lugar, fica um pouco atrapalhado, de pé, caniços apoiados em uma das mãos, buscando no bolso as moedas para inteirar a passagem e passar à parte de trás do ônibus quase vazio. Simpática, mal o jovem levanta, pergunta: "vai pescar é, aonde?". "No Leme", ele responde. Viagem segue. Alguns minutos passam e a velha senhora se vira para o motorista: "vai votar? Vota no Bolsonaro, hein?" O motorista, de uns 45, 50 anos, olha sem muito entusiasmo para ela e diz algo sobre ninguém prestar, diz "que é tudo igual". Ela repete: "Bolsonaro, tem que dar uma chance pra ele!" Segue por mais alguns segundos balbuciando o nome do candidato, agora falando baixo, olhando para frente. Passam-se uns minutos e o motorista, num gesto surpreendente, vira-se pra ela e diz: "eu queria mesmo era votar no Lula". Ela o fita por uns segundos, ajeita-se na cadeira, olha pra frente e diz: "Bolsonaro". A viagem segue pela Praia do Flamengo, sem mais conversa, até o ponto final. Minha viva impressão é que a classe média carioca não entende o mundo do trabalho que a cerca. Tendo vivido boa parte da minha vida no sul do país nunca tive percepção tão nítida das distinções culturais de classe quanto aquela que presencio aqui. As pessoas são cordiais, sim, e o ethos é  aristocrático.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

VERMELHO, BRANCO E SANGUE: O TERROR BRANCO E O GRANDE MEDO, 1789-2021, por Beatrice de Graaf

4 LIÇÕES EXEMPLARES DA REVOLUÇÃO FRANCESA PARA OS DIAS ATUAIS, por Christine Adams

As Américas, comércio armado e energia barata: resenha de “A Grande Divergência”, de Kenneth Pomeranz, por Branko Milanovic