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Mostrando postagens de maio, 2012

Desejo de compreensão

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(Publicado no caderno Cultura do jornal Zero Hora, Porto Alegre, em 04/2/2006)  A polêmica envolvendo o filme Munique , de Steven Spielberg, renova os termos de uma discussão ocorrida quando do lançamento de outro filme do mesmo diretor, A lista de Schindler , em 1993. A principal crítica que lhe é formulada diz respeito ao caráter tolerante, benevolente talvez, com que o cineasta teria tratado os militantes extremistas palestinos – terroristas ou combatentes, a escolha dos termos não é um elemento menor neste debate – envolvidos no ataque e assassinato de atletas da delegação israelense nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. O filme se ocupa da análise de um território que não nos é habitual, interstício entre os domínios da lei e da política, um não-lugar onde não vigora direito ou diplomacia, mas ódio, violência auto-justificada e cínico pragmatismo. Lá onde há enfrentamentos que não podem ser assumidos pelos Estados, por impossibilidade ou por interesse, se desenrola uma gu

Vargas, Perón e os técnicos

Trecho de Celso FURTADO, A Fantasia Organizada, Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985, Capítulo VIII, "Golias e David", p.121. A entrevista [de Raúl Prebisch e Celso Furtado com Vargas] foi no Palácio do Catete, antiga sede do Governo. Prebisch, como muitos argentinos, tinha uma grande admiração por Vargas. Ele o via como o dirigente que conduzira o Brasil pelo caminho da industrialização, que transformara um país de grande atraso relativo em uma nação de vanguarda na região. Como a maioria dos observadores estrangeiros, não se detinha nos aspectos negativos. Era uma época de ditaduras, havia que se escolher entre tiranos e déspotas esclarecidos... Lamentava que Perón não tivesse as mesmas virtudes de Vargas. Disse-me certa vez que se houvesse podido influenciar Perón no começo, incutindo-lhe uma visão clara dos verdadeiros problemas econômicos com que se defrontava a Argentina, a História de seu país podia haver tomado outro rumo. Ele tentara esse contato com Perón, mas c

Weber e a burocracia chinesa.

Trecho traduzido de: KRAUS, Richard Kraus, “The Chinese State ad Its Bureaucrats”. In NEE, Victor & MOZINGO, David (org) State and Society in Contemporary China . Ithaca e Lobdres: Cornell University Press, 1983.   "É fácil descartar como um jogo de salão a comparação entre os elementos oriundos da sociedade chinesa imperial e da contemporânea. Mas após refletir sobre a analogia entre marxismo e confucionismo, e argumentado contra a noção superficial de que nada mudara na China, Joseph Levenson afirmou: “Ainda, a aparência de sobrevivências não é, de forma alguma, uma ilusão de ótica. Muitos tijolos da antiga estrutura ainda estão por aí – mas não a estrutura. Fragmentos podem sobreviver por que descobriram um novo apelo, não por que carreguem (mais do que os fragmentos esquecidos) a essência de uma tradição invencível [1] . Entre os fragmentos da velha estrutura que têm sido, na nova, assiduamente cultivados, há uma sensibilidade organizacional que foi há muito analisada

Compiègne

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(Publicado no caderno Cultura do jornal Zero Hora, Porto Alegre, 15/11/2008) Assistia à cobertura ao vivo do canal BBC World das eleições norte-americanas, na qual se debatia a iminente escolha de Barack Obama como novo presidente. Na bancada de jornalistas e comentaristas convidados, ninguém menos que o genial ensaísta e polemista inglês Christopher Hitchens. Na lapela de cada participante uma poppy , a flor da papoula que os britânicos costumam portar nesta época do ano para comemorar (no sentido de lembrar juntos) a semana que se encerra no próximo dia 11 de novembro, data do armistício da I Guerra, em 1918. As poppies ficaram populares porque  se as associava às trincheiras e, por conseguinte, às centenas de milhares de vítimas da guerra. Na violência dos combates, as sementes da flor germinavam com facilidade nas crateras abertas pelas explosões, pintando de vermelho vivo os campos já ensangüentados de Flandres. Pois não pude deixar de pensar em Hitchens, homem de opiniões f

A política regional como laboratório da Era Vargas

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(Publicado no caderno Cultura do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 28/8/2004) Passados 50 anos do suicídio que pôs fim à trajetória da mais expressiva liderança política da história contemporânea brasileira, o mês de agosto tem sido generoso na evocação da memória de Getúlio Dornelles Vargas. Vários eventos nas duas últimas semanas dissecaram a anatomia política e intelectual daquele que, tendo sido deputado na Assembléia dos Representantes, deputado federal, ministro de Estado, presidente do Estado do Rio Grande do Sul, chefe do governo provisório, presidente constitucional, ditador em 1937, senador e, por fim, no último e derradeiro mandato de sua vida, presidente eleito em 1950, permanece, meio século depois de sua morte, o personagem central do processo de modernização da vida brasileira no século 20. A vitalidade da programação alusiva aos 50 anos do suicídio revela o grande interesse que historiadores e outros pesquisadores seguem atribuindo à chamada Era Vargas, em ge

Memórias de 64: esquecimento e oportunismo

(Publicado no caderno Cultura do jornal Zero Hora, Porto Alegre, em 31/7/2004) A onda de debates suscitada pela passagem dos 40 anos do golpe de 1964 teve mais um episódio na semana passada, em Pelotas, por ocasião do encontro dos pesquisadores gaúchos filiados à Associação Nacional de História. Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Ridenti, da Unicamp, e Beatriz Loner, da UFPel, levantaram questões inquietantes, relacionadas à memória dos acontecimentos de 64 e do Regime que se seguiu, bem como a seus desdobramentos e às formas de apropriação na opinião pública atual. Embora o debate de Pelotas tenha girado em torno dos riscos da instrumentalização política, no campo da opinião, dos resultados do debate acadêmico, particularmente no caso do estudo da ação das esquerdas armadas, ele não deixou de tocar em outro tema que julgo central para a pesquisa sobre 1964: o do processo de invisibilização das redes civis de apoio ao golpe e ao Regime. De forma geral, a opinião

O maior vencedor da Farroupilha

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(a partir de uma postagem no Facebook, 20/9/2011) Aprecio muitas das tradições do Rio Grande, evocações do passado que são as de muitos e também as minhas, aquelas de que aprendi a gostar, ou que naturalmente incorporei, muito cedo, aprendendo a preparar o mate com minha tia, ouvindo meu pai escutar a voz calma e musicada de Jayme Caetano Braun no rádio, assistindo com ele ao desfile dos "gaúchos", no 20 de Setembro, visitando anualmente meus tios no campo, em São Gabriel, ou seguindo, já adolescente, os passos da conversão de meu primo mais velho ao nativismo musical das Califórnias e Cirandas da Canção. Todos estes signos de um pertencimento cultural particular nunca me foram desconfortáveis, ao contrário. Contudo, a apropriação e a malversação histórica operada pelo tradicionalismo oficialista no Rio Grande do Sul, nas últimas décadas, na construção de uma doxa cultural regional - e embaladas por um eficientíssimo "regionalismo publicitário" (Zaffari, Banrisul)

Frase

"Eu não sou um puro historiógrafo. Eu não sou um pesquisador de arquivos. Eu não sou um micrografista de história. Não sou, não quero ser, uma autoridade em detalhes (...) tenho a paixão dos quadros gerais". Oliveira Viana, 1927, apud José Murilo de Carvalho, Pontos e Bordados.

Parrillas II

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A propósito de parrillas e restaurantes portenhos, resolvi resgatar esse post "gastronômico" da primeira fase do blog. Essas linhas foram escritas no primeiro semestre de 2008, logo não sei se todas as indicações ainda estão por lá. As referências de preços são da época, e possivelmente fariam rir os argentinos hoje... Com algumas horas sobrando em Buenos Aires , 14 de Abril de 2008. Em Buenos Aires, a caminho de casa, depois você passar 5 horas de viagem desde Tandil, a dica é relaxar. Deixa-se as bagagens [5 pesos por volume] na garagem da empresa "Manuel Tienda Léon" [sim, aqueles caras que te extorquem 35 pesos para te levar a Ezeiza, sem direito a concorrência], na Av. Madero com San Martín, e parte-se para aproveitar as últimas horas e pesos que restam. Uma dica certa de boa comida e preços honestos é o "Manolo" (Cochabamba y Bolivar), outra sugestão que devo a Juan Manuel. Freqüentado pelos locais (sempre um bom indício de que não farás

Parrillas

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La "guerra" de las parrillas de barrio ,  Pablo Tomino La Nación, 12/5/2012 "Tenemos el mejor asado del mundo", "No hay mollejas más ricas que en este lugar", "La más exquisita porción de lechón, bueno... acá estamos". Tentadoras propuestas que parecen anuncios de campañas para elegir al asador del año, pero que, en realidad, son parte de la apuesta gastronómica porteña en la que la "guerra" de las parrillas ha ganado las calles, en especial en barrios alejados de los corredores tradicionales. Elegir hoy el mejor lugar para comer carne asada en la Capital -donde sólo en el rubro parrillas hay más de 800 establecimientos habilitados- no es una tarea sencilla. Es que la ecuación precio-calidad, a veces, resulta complicada de resolver. Buenos Aires tiene lugares tradicionales para comer un buen asado a las brasas y otros más ocultos que no son tan populares, pero que se han ganado su clientela. "Sin sucursales, porque parecido

Árvore genealógica, por Santiago

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Auster

Trecho de "Homem no escuro", de Paul Auster: "Depois de um tempo, passei a ver nessa obsessão de ver filmes uma forma de automedicação, uma droga homeopática para se anestesiar contra a necessidade de pensar no seu futuro. Fugir para dentro de um filme não é como fugir para dentro de um livro. Os livros nos obrigam a lhes dar algo em troca, a exercitar a inteligência e a imaginação, ao passo que podemos ver um filme - e até gostar dele - num estado de passividade mecânica".

Ex-voto

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(do Facebook, 30/09/2011) Na bela cidade de São Cristóvão, Sergipe, estive na na Igreja de Nsa. Sra. do Carmo em companhia de meu colega Ernesto Seidl. Junto à igreja há um Museu dos Ex-Votos, esses objetos doados à Igreja em agradecimento a um pedido atendido, uma graça recebida. Em meio à impressionante coleção de centenas, talvez milhares de pernas, pés, braços e cabeças esculpidos em madeira e pendurados no teto, símbolos de variadas enfermidades curadas e votos atendidos, o olhar treinado do Ernesto encontrou, sobre uma mesa, esta pequena jóia associada a um sofrimento bem contemporâneo: um ex-voto representando uma tese de doutorado concluída!! Portanto, queridos alunos, doutorandos ou futuros doutorandos, não percam a esperança: tenham fé que a tese um dia chegará a termo! Minha foto do espetacular teto da igreja do Carmo, com centenas de ex-votos, pernas e braços de madeira, suspensos sobre as cabeças dos fiéis, não ficou legal, mas achei essa aqui na rede:  

Teste vocacional, por Quino

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Bourdieu para professores universitários...

Trecho formidável de Bourdieu sobre o funcionamento, nada banal, do mundo acadêmico e de suas crenças. De um texto que aprecio particularmente e que traduzi para a revista do PPG História da Unisinos (o itálico na parte final é meu): “Gente com história, gente sem história. Diálogo entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier” , História Unisinos 10(1):90-98, Janeiro/Abril 2006 (publicado originalmente em Politix – Travaux de Science Politique, nº 6, 1989, Paris, p. 53-60). "Quando trabalho sobre as grandes écoles , tento objetivar, tornar visíveis os mecanismos completamente inconscientes que escapam à consciência dos alunos, estudantes que se colocam, que correm como se estivessem em um labirinto, lógicas que escapam à consciência das pessoas que as aconselham – os próprios conselheiros não sabem o que aconselham, o que não significa que os conselhos não sejam bons –, tento fazer algo totalmente objetivista. As situações impossíveis de experimentação epistemológica em que por du

História Social de Elites, o livro

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Para download, o último trabalho do nosso grupo de pesquisa: História Social de Elites (Organizado por Flavio M. HEINZ). São Leopoldo: Oikos, 2011. 168p. (ISBN: 978-85-7843-209-6). Os demais autores são: Ernesto SEIDL, Jonas MOREIRA VARGAS, Marcelo VIANNA, Adriano CODATO, Julia SIMÕES, Ricardo DE LORENZO e Andrius NORONHA (A bela capa é do grande designer gráfico e meu amigo Flavio Wild!) Texto da orelha: Há cinco anos, na apresentação de uma obra coletiva que havia organizado sobre a pesquisa em história de elites e os usos da prosopografia ( Por outra história das elites , FGV, 2006), expus ao leitor a ambição que orientara aquela empreitada, a saber, a de oferecer a estudantes e profissionais da área, “balanços historiográficos densos e estudos pontuais que sugerissem ‘modelos’ para se pensar a aplicabilidade do método”. A ideia era sustentar, do ponto de vista teórico e metodológico, as vantagens de se fazer uma história e uma micro-história social de elites. Nestes

Comparação e história

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Segue link para download do livro História nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina (Organização Flavio M. Heinz, São Leopoldo: Oikos, 2009), que reúne artigos apresentados no II Encontro da Rede Marc Bloch de História Comparada, realizado em Porto Alegre, outubro de 2008.  Este volume reúne textos apresentados em um colóquio sobre História Comparada, realizado em Porto Alegre em outubro de 2008. Em sua diversidade temática e complexidade metodológica, estes textos expõem as dificuldades postas à realização da história comparada, mas também sugerem pistas e soluções para superá-las. A ideia orientadora do encontro não fora a de, ingenuamente, "fundar" uma prática comparatista, mas a de colocar, lado a lado, historiadores que tivessem a comparação como um elemento possível e desejado de seu trabalho, permitindo que a reflexão e a prática de pesquisa de uns e outros se deixassem contaminar pelas experiências dos colegas. Assi