Tese

(Publicado originalmente em 16 de Abril de 2008)

Ainda não li a tese, mas dei uma espiada nos dois breves capítulos iniciais do doutoramento de Valeria D'Agostino, defendido em Tandil no final de março e que tem como título "Estado y Propriedad de la tierra. Instituciones, derechos, leyes y actores sociales. El caso de los partidos de Arenales y Ayacucho (provincia de Buenos Aires, Argentina), 1824-1904". D'Agostino, que foi a primeira das Valerias tandilenses que passaram por São Leopoldo a defender sua tese, bebe nessa fortíssima tradição argentina de historiadores agrários. Os dois capítulos iniciais são um primor de síntese historiográfica e clareza metodológica, e proporcionam um rápido mergulho do leitor estrangeiro nos argumentos centrais da tradição intelectual da área.
Eu sempre aprecio este tipo de coisa, essa capacidade de dizer apenas o que realmente importa. Assisti na École, lá pelos idos de 1992 ou 1993, uma argüição realizada por Marcel Jollivet (de Paris X), ou talvez fosse Jacques Chonchol, que não pude esquecer. Não tenho certeza quem era o autor da frase, mas o certo é que vez por outra me utilizo dela em bancas. Frente a algum doutorando brasileiro que lhe impingira umas 80 páginas apenas no capítulo introdutório, no qual retomava de forma redundante uma história da evolução da propriedade da terra no Brasil colonial, passando pelo Império até chegar ao Brasil contemporâneo, o argüidor perguntou: "Por que todo brasileiro acha que tem de repisar lentamente a história da terra, desde o medievalismo português até ontem, para vir nos falar das tensões do campo no Brasil atual?" Por óbvio, o mundo social é sempre depositário de uma história, mas repetição e redundância não ajudam a desvelar a complexidade dos processos históricos.
No popular, o bom texto acadêmico não deve, nunca, "encher lingüiça". Se não for pela simples e definitiva razão de que isso não ajuda a estabelecer uma interpretação ou uma demonstrar hipótese, que seja, ao menos, pelo risco iminente de você vir a chatear seu avaliador antes mesmo que ele esteja em posição de avaliá-lo!

PS: em 1999, Chonchol, que foi o primeiro ministro da Agricultura de Allende (1970-72), e que dirigiu, até 1994, o Institut des Hautes Études de l'Amérique Latine, em Paris, esteve, não sei bem como ou por quê, na UNISC, em Santa Cruz do Sul. Capitaneado pelo incansável César Góes (Cesinha), meu chefe no Departamento de Ciências Humanas e militante social 'relax' e gente boa, fui convocado a uma recepção a Chonchol numa casa de agricultores de Linha Pinheiral, na colônia profunda de Santa Cruz, em meio a cucas e chimia. Chonchol era um tipo interessante, sem dúvida, mas mais interessante era aquele improvável encontro entre um inteletual referência da esquerda planetária e dos movimentos sociais rurais, homem de dois mundos, e aquela família de agricultores 'engajados' da próspera colônia gaúcha. Foi muito legal.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

VERMELHO, BRANCO E SANGUE: O TERROR BRANCO E O GRANDE MEDO, 1789-2021, por Beatrice de Graaf

4 LIÇÕES EXEMPLARES DA REVOLUÇÃO FRANCESA PARA OS DIAS ATUAIS, por Christine Adams

As Américas, comércio armado e energia barata: resenha de “A Grande Divergência”, de Kenneth Pomeranz, por Branko Milanovic