Tornar-se mandarim: os exames imperiais

Antes da metade do século XIX, o sistema chinês de ensino superior incluía os “clássicos” (jing), a história (shi), a filosofia (zi) e a literatura (ji) como as principais categorias do conhecimento autorizado, ao passo que matérias relacionadas a ciências naturais ou tecnologia científica eram desprezadas como “habilidades mágicas e inteligência imprópria” (qiji yinqiao). Apesar de a matemática chinesa ter se desenvolvido tão cedo quanto a grega, o conhecimento matemático foi sempre uma arte menor e não um conhecimento válido para um funcionário-letrado possuir. A educação possuía uma associação íntima com o sistema de serviço público, o que significa que os programas em escolas em quaisquer níveis eram determinados pelo conteúdo desses exames. Matemática e outras áreas tecnológicas do conhecimento não eram vistas como campos importantes de estudo naquele sistema curricular.
Nas dinastias Ming (1368-1644) e Qing (1644-1911), a educação, mesmo no nível mais rudimentar, estava relacionada ao ensino e à aprendizagem ortodoxa dos clássicos de Confúcio e à habilidade em redigir peças em prosa formalista chamadas de “ensaios de oito partes” (bagu wen). A doutrina confuciana era sua fundação ideológica. Na dinastia Qing os exames do serviço público eram constituídos por três partes: primeiro, a composição de ensaios a partir de tópicos selecionados dos Quatro Livros, Os Analectos, O Grande Aprendizado, A Doutrina do Meio e Mêncio, e um poema original; segundo, ensaios em tópicos selecionados a partir dos Cinco Clássicos, o Livro das Mutações, o Livro da História, O Livro das Odes, O Livro dos Ritos e os Anais da Primavera e do Outono; terceiro, a discussão de questões que, num primeiro momento diziam respeito a problemas correntes da política e da economia, e que mais tarde deslocaram-se para temas filológicos não controversos. A maioria dos acadêmicos lançava-se em interpretações aprovadas pelo trono e nem ao menos lia os textos originais de Confúcio. Eles se concentravam no estudo de coletâneas populares no modelo dos “ensaios de oito partes”, a fim de melhorar suas habilidades na redação e obter sucesso nos exames do serviço público, dando pouca atenção a outras áreas de conhecimento. Pior de tudo, devido à rigidez da forma do “ensaio de oito partes”, os examinadores não precisavam deter-se no conteúdo das redações dos candidatos, mas meramente na inteligência do candidato em fazer suas palavras se ajustarem ao formato do ensaio. Alguns examinadores chegavam ao absurdo extremo de atribuir as notas às redações mais em função da caligrafia do que do conteúdo dos ensaios. Sob estas circunstâncias, o exame do serviço público era uma mera formalidade, que aprisionava as mentes dos acadêmicos e obstruía o avanço do conhecimento. A corrupção que permeava cada canto do sistema de exames também ameaçava o conjunto do sistema burocrático.

YONGLING, Lu & HAYOE, Ruth. “Chinese Higher Learning: The transition Process from Classical Knowledge Patterns to Modern Disciplines, 1860-1910”. In: CHARLE, Christophe, SCHRIEWER, Jürgen & WAGNER, Peter. Transnational Intellectual Networks – Forms of Academic Knowledge and Search for cultural Identities. Frankfurt: Campus Verlag, 2004., p.274-275. (tradução minha)

Postagens mais visitadas deste blog

VERMELHO, BRANCO E SANGUE: O TERROR BRANCO E O GRANDE MEDO, 1789-2021, por Beatrice de Graaf

4 LIÇÕES EXEMPLARES DA REVOLUÇÃO FRANCESA PARA OS DIAS ATUAIS, por Christine Adams

As Américas, comércio armado e energia barata: resenha de “A Grande Divergência”, de Kenneth Pomeranz, por Branko Milanovic