Bourdieu para professores universitários...
Trecho formidável de Bourdieu sobre o
funcionamento, nada banal, do mundo acadêmico e de suas crenças. De um texto
que aprecio particularmente e que traduzi para a revista do PPG História
da Unisinos (o itálico na parte final é meu): “Gente com história, gente sem
história. Diálogo entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier”, História
Unisinos10(1):90-98, Janeiro/Abril 2006 (publicado originalmente
em Politix – Travaux de Science Politique, nº 6, 1989, Paris, p. 53-60).
"Quando trabalho sobre as grandes écoles, tento objetivar, tornar visíveis os mecanismos completamente inconscientes que escapam à consciência dos alunos, estudantes que se colocam, que correm como se estivessem em um labirinto, lógicas que escapam à consciência das pessoas que as aconselham – os próprios conselheiros não sabem o que aconselham, o que não significa que os conselhos não sejam bons –, tento fazer algo totalmente objetivista. As situações impossíveis de experimentação epistemológica em que por duas vezes me envolvi, nos dois casos deliberada e conscientemente, são o estudo do lugar onde passei toda a minha infância e o estudo da universidade. Nestes dois casos, mesmo se eu tivesse podido me deixar levar pela tentação objetivista, necessariamente, em um momento ou outro, o próprio objeto teria me jogado na cara meus interesses subjetivos. Por exemplo, quando analisamos o sistema acadêmico, mostramos que o mundo universitário está dividido por lutas relativas a dois princípios de hierarquização social: de um lado o poder, poder sobre os instrumentos de reprodução – ser presidente de uma banca de agrégation, ser presidente de um comitê consultivo das universidades, ser capaz de se reproduzir, portanto de controlar, de interditar a reprodução dos outros, etc.; de outro, o que chamaríamos de prestígio, mas que não é um bom termo, a reputação, o fato de ser convidado no exterior, de ser traduzido, de ser citado, de receber o Prêmio Nobel, por exemplo. Estes dois princípios de hierarquização existem e estão em concorrência. O que é interessante é que quando o sociólogo objetiva, sem se referir à opinião das pessoas, sem perguntar quem é, segundo elas, o primeiro, etc., ele produz hierarquias que, uma vez produzidas, parecem evidentes. Dir-se-á: sabíamos disso, é evidente; e, no entanto, é preciso fazer um trabalho formidável contra todas as idéias preconcebidas para colocar no papel esta hierarquia objetiva. Percebemos bem que há um descompasso e dizemos: sim, como indígena observo uma série de práticas que têm por princípio um trabalho coletivo para esconder estas evidências, para negar estas hierarquias que todo o mundo conhece. Há hierarquias, e ninguém deseja vê-las; há mecanismos coletivos socialmente instituídos, socialmente organizados que, funcionando como sistemas de defesa no sentido freudiano, permitem negar, não enxergar estas hierarquias. Por quê? Porque talvez o mundo universitário e científico fosse insuportável se a verdade objetiva se tornasse verdade subjetiva".
"Quando trabalho sobre as grandes écoles, tento objetivar, tornar visíveis os mecanismos completamente inconscientes que escapam à consciência dos alunos, estudantes que se colocam, que correm como se estivessem em um labirinto, lógicas que escapam à consciência das pessoas que as aconselham – os próprios conselheiros não sabem o que aconselham, o que não significa que os conselhos não sejam bons –, tento fazer algo totalmente objetivista. As situações impossíveis de experimentação epistemológica em que por duas vezes me envolvi, nos dois casos deliberada e conscientemente, são o estudo do lugar onde passei toda a minha infância e o estudo da universidade. Nestes dois casos, mesmo se eu tivesse podido me deixar levar pela tentação objetivista, necessariamente, em um momento ou outro, o próprio objeto teria me jogado na cara meus interesses subjetivos. Por exemplo, quando analisamos o sistema acadêmico, mostramos que o mundo universitário está dividido por lutas relativas a dois princípios de hierarquização social: de um lado o poder, poder sobre os instrumentos de reprodução – ser presidente de uma banca de agrégation, ser presidente de um comitê consultivo das universidades, ser capaz de se reproduzir, portanto de controlar, de interditar a reprodução dos outros, etc.; de outro, o que chamaríamos de prestígio, mas que não é um bom termo, a reputação, o fato de ser convidado no exterior, de ser traduzido, de ser citado, de receber o Prêmio Nobel, por exemplo. Estes dois princípios de hierarquização existem e estão em concorrência. O que é interessante é que quando o sociólogo objetiva, sem se referir à opinião das pessoas, sem perguntar quem é, segundo elas, o primeiro, etc., ele produz hierarquias que, uma vez produzidas, parecem evidentes. Dir-se-á: sabíamos disso, é evidente; e, no entanto, é preciso fazer um trabalho formidável contra todas as idéias preconcebidas para colocar no papel esta hierarquia objetiva. Percebemos bem que há um descompasso e dizemos: sim, como indígena observo uma série de práticas que têm por princípio um trabalho coletivo para esconder estas evidências, para negar estas hierarquias que todo o mundo conhece. Há hierarquias, e ninguém deseja vê-las; há mecanismos coletivos socialmente instituídos, socialmente organizados que, funcionando como sistemas de defesa no sentido freudiano, permitem negar, não enxergar estas hierarquias. Por quê? Porque talvez o mundo universitário e científico fosse insuportável se a verdade objetiva se tornasse verdade subjetiva".
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