Vargas, Perón e os técnicos


Trecho de Celso FURTADO, A Fantasia Organizada, Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985, Capítulo VIII, "Golias e David", p.121.

A entrevista [de Raúl Prebisch e Celso Furtado com Vargas] foi no Palácio do Catete, antiga sede do Governo. Prebisch, como muitos argentinos, tinha uma grande admiração por Vargas. Ele o via como o dirigente que conduzira o Brasil pelo caminho da industrialização, que transformara um país de grande atraso relativo em uma nação de vanguarda na região. Como a maioria dos observadores estrangeiros, não se detinha nos aspectos negativos. Era uma época de ditaduras, havia que se escolher entre tiranos e déspotas esclarecidos... Lamentava que Perón não tivesse as mesmas virtudes de Vargas. Disse-me certa vez que se houvesse podido influenciar Perón no começo, incutindo-lhe uma visão clara dos verdadeiros problemas econômicos com que se defrontava a Argentina, a História de seu país podia haver tomado outro rumo. Ele tentara esse contato com Perón, mas certas pessoas haviam atropelado a coisa, sem dúvida por temor de perder influência. 

A aproximação corrente entre os dois políticos era fundada em desconhecimento dos homens e das circunstâncias em que atuavam. O nosso gaúcho era um homem que ouvia os entendidos, os técnicos, que se informava bem e tomava decisões com prudência. Perón era acima de tudo um grande ator, governava como se estivesse se exteriorizando num palco. Ademais, Vargas governava um país pobre, em que coisas pequenas podem ser importantes. Perón podia desperdiçar, sem que as angústias do momento viessem adverti-lo das conseqüências futuras de seus atos de histrionismo político. Prebisch observava: “Vargas soube formar quadros, deu estrutura moderna ao Estado brasileiro. Veja Perón: dispersou com um gesto a equipe que me custou dez anos para formar”. [itálico meu] Dizer aquilo devia doer-lhe. A equipe a que se referia dera à Argentina um avanço quilométrico na pesquisa econômica na América Latina e fizera do Banco Central uma instituição admirada internacionalmente. E Perón o substituíra por um certo Miguel Miranda, bem-humorado fabricante de biscoitos que, segundo saiu na imprensa da época, ao assumir o cargo bateu com o taco do sapato no assoalho e disse: “Tá tudo cheio de ouro”.

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